A flor estava sobre a mesa, ou melhor, nem mais
flor era. Esquecida, embebida numa água velha, foi chegando a morte,
tomando-lhe as pétalas amareladas e pendentes do galho curvo e sem espinhos. Ao
seu lado restava o homem jogado numa poltrona cinza, num quarto escuro e tomado
pelo desespero.
Rodrigo
era seu nome. Ao seu lado, duas ou três garrafas de bebida, em uma restava
quase nada, as outras vazias. Sua pele cheirava a álcool. Não é a bebida a
maior companheira dos desesperados?
O
homem sentou naquela posição há pelo menos 12 horas. Planejava com esmero e
dedicação suas ultimas horas de vida. Sobre a mesa ao seu lado, um revolver e
uma dose de veneno. Era o ultimo detalhe ainda não acertado, ah faltava ainda a
carta. A Ultima palavra pra ela.
Pegou
a folha de papel, outros perdidos amassados no chão. A caneta mal se
equilibrava entre os dedos trêmulos, rabiscando algumas letras. E se...
escreveu. Por que a duvida expressa ante tal decisão já programada, pensada e
revista tantas vezes, afinal não era impossível continuar a vida sem ela? Não,
sem ela, nada seria possível no mundo dos vivos. Melhor estar morto mesmo.
Mas,
e se? Se ela não souber que eu morri? Ah impossível. Ela vai saber... mas se
ela não quer mais saber de mim e se ela não quiser saber? Ah mas ela vai ler
meu bilhete e se sentir culpada, vai sim, vai carregar essa culpa por toda a
vida. Vai se afogar na culpa, vai se
amargurar por ter me deixado, por ter me traído, por ter sido tão canalha. Ah
vai sim... no papel aquele e se começou a martelar como um sino E se ela
nem ligar de que valerá o sacrifico de minha vida? A minha oportunidade com
este mundo? E se ela não se importar e se ela superar a minha morte? Não, isso
não vai acontecer, afinal o arrependimento e a culpa são tão absolutos quanto a
mágoa e o ressentimento. Ele estava ressentido e magoado. Aquela seria sua derrocada
final.
Mas,
e se? Se não fosse um domingo, se não fosse a bebida, se não fosse aquela dor
de abandono no peito, se não fossem os amigos reconhecendo em seu rosto sua
incapacidade com ela, senão fossem os planos já feitos para o casamento, se não
fosse os sonhos, se não fosse os se, o que ele estaria fazendo naquela tarde de
domingo?
Olhou-se
imundo e devastado. Do porta retratos ela sorria inerte e indiferente. Sorria,
como quem se despede. Ele olhou a folha de papel dominada por aquela duvida, e
se?
Se
ele fizesse a opção de viver, de esquecer, de curar-se e ao seu corpo. Limpasse
os rastros deixados por ela, o perfume que andava em seus pulmões. As
lembranças que rondavam suas noites. A ultima vez que não queria deixar escapar
de si mesmo.
Jogou
todas as tentativas e opções sobre
a mesa bem ao lado daquele pedaço de papel e aquele e se... Imaginou a
vida de quem ficava, e se quem ficasse restasse na mesma inercia que o levara
até ali? E se nada valesse a pena depois de sua morte e se sua morte não
valesse a pena? Valeria a pena a vida pra ele?
Segurou
com força a garrafa onde sobrara um pouco de bebida. Emborcou na boca o gosto
amargo... e se eu deixar pra depois?
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