Rosa é de uma sinceridade atroz. De uma
realidade quase maldosa. Seca e econômica no afeto. Não desperdiça tempo com
palavras que não precisa. Gildo seu marido há 15 anos que gostava de carnaval,
de falar alto e de conchego no final de semana, foi aprendendo a adequar seu
espaço, ao mínimo que necessitava para acordar e existir como uma programação
de 24 horas. Uma de cada vez. A conversa entre os dois era simples, duas vezes ao
dia: pela manhã no café e à noite ao jantar. Na hora do almoço ele estava no
trabalho e, portanto, não se encontravam. Ele impreterivelmente naqueles anos
todos tentava que a mulher entabulasse com ele um dialogo, tentativas
fracassadas, barradas no ceticismo daquela mulher. Ele ia levando, afinal a
conhecera assim. Logo no pedido de casamento já havia sido assim:
_ Amor, nós já estamos namorando há dois
anos, e eu quero construir com você a minha vida, ter os nossos filhos...
envelhecer com você. Quero me casar com você no dia de nossa senhora.
Você aceita
Ela
avaliou a proposta por um instante e respondeu
_ Aceito, depois de montar a casa.
_ Já tenho quase tudo e comprei agora de pouco
os moveis da sala. Só falta mesmo uma máquina de lavar, mas isso depois que eu
pagar os que comprei agora. Fiz de três vezes. Você pode casar de branco como
sua mãe quer... nem sei bem porque, já que a gente já está junto... o que você
acha?
_ Bom... 27 de novembro.
_ O que é 27 de novembro.
_ dia de nossa senhora das Gracças
_ah entendi e você já pensou no vestido?
_ Não.
Gildo
esperava com que o tempo e a convivência Rosa aprendesse a dividir mais com
ele. Às vezes atribuía aquela sua secura à sua vida de filha de pais separados.
Sem irmãos, e quase sem amigos. Mas culpar os pais pelas atitudes dos filhos
adultos não é justo. Não num mundo que aprende rápido, que cresce rápido, que
amadurece rápido. Os traumas sustentados pelos adultos em grande parte são uma
grande incapacidade de si mesmo. Uma justificativa ébria para quem quer adiar o
momento de viver com gosto. De quem prefere a vida e conta gotas. Vai se
esvaindo em conta gotas nas suas próprias amarguras.
A
verdade é que Rosa não conseguia acompanhar os passos de Gildo. Ele queria mais
da vida que o dia a dia em frente à TV, que as noticias do jornal da noite, Que as eventuais noite de amor, mudo
e simples. De vez em quando trazia uma
ideia diferente, sorridente, alegre, feliz pela sua contribuição à felicidade
dos dois, mas, Rosa olhava pra ele como quem não acredita.
_ É isso sua ideia?
_ Claro o que você Acha? Podemos viajar no fim
de semana, passar dois dias na praia, levar as crianças. Vai ser uma lua de
mel.
_ Não. Roupa pra passar. Muita.
Ela
se virava para o que quer que estivesse fazendo e esquecia o marido sem fala e sem argumentos. Com a passagem do tempo
Gildo foi mudando, economizando palavras já que elas não adiantavam de nada.
Rosa tornou-se mais desconfiada que sempre. O silêncio do marido só podia
significar uma coisa: a existência de outra mulher. De quando em vez soltava
uma provocação.
_ Você vai ao jogo?
_ Vou. O
meu time vai disputar a final hoje com o Ferroviario da Varzea. Não pode ficar
sem seu melhor zagueiro.
_ E depois?
_ Ah... se ganhar, tomo umas duas cervejas e
volto pra casa.
_ Sei...
_ Sabe o que Rosa?
_ Essa bola...
_ Não entendi, o que você quer dizer?
_ Você vai e eu fico
_ Se quiser pode ir também
_ Nunca fui.
_ porque não quis, Se quiser ir o convite está
de pé.
_ Você se diverte e eu fico
_ Não quer ir?
_ Não.
Voltava a sua mudice de sempre. Havia outra com
certeza. Para Gildo havia somente a economia de palavras. A falta de vontade de
se comunicar. Dessa forma foi se voltando para o mundo exterior, para os
outros. Ela sempre culpava os outros por tudo. Era a outra que estava tirando
seu marido. Era a outra esta imaginaria e completamente capaz que fazia com que
o amor de seu marido se diluísse no dia a dia. Ela dedicada. Ela que era mãe.
Que fazia tudo por sua família. A ela cabia vigiar em silêncio o que parecia
inevitável. Mas era assim mesmo, perdeu todo mundo que amou em sua vida
inteira. Porque não perderia Gildo? Não haveria então o que fazer? Não haveria
então o que dizer? Só aguardar o que mais cedo ou mais tarde aconteceria. O
destino inevitável de estar só.
Gildo
tentou perscrutar o mundo de Rosa. Quais seriam seus anseios, quais seriam seus
desejos. Quais seriam seus medos, suas angustias, suas privações. Suas
indignidades. Nem suas alegrias Gildo sabia. Perdeu para o silêncio dela.
Perdeu ela para suas reminiscências.
Que fases da vida ele ou ela perderam? Que fase deles
dois eles se perderam? Gildo se dedicava ao futebol como objetivo de sua
maturidade e ela, ela, viva em seu silêncio, esperava o inexorável, o momento
de receber a noticia, o que mais cedo ou mais tarde aconteceria e viver sozinha
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