Cronicas, contos e outros textos...

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sábado, 30 de setembro de 2017

O Suicida

A flor estava sobre a mesa, ou melhor, nem mais flor era. Esquecida, embebida numa água velha, foi chegando a morte, tomando-lhe as pétalas amareladas e pendentes do galho curvo e sem espinhos. Ao seu lado restava o homem jogado numa poltrona cinza, num quarto escuro e tomado pelo desespero.
            Rodrigo era seu nome. Ao seu lado, duas ou três garrafas de bebida, em uma restava quase nada, as outras vazias. Sua pele cheirava a álcool. Não é a bebida a maior companheira dos desesperados?
            O homem sentou naquela posição há pelo menos 12 horas. Planejava com esmero e dedicação suas ultimas horas de vida. Sobre a mesa ao seu lado, um revolver e uma dose de veneno. Era o ultimo detalhe ainda não acertado, ah faltava ainda a carta. A Ultima palavra pra ela.
            Pegou a folha de papel, outros perdidos amassados no chão. A caneta mal se equilibrava entre os dedos trêmulos, rabiscando algumas letras. E se... escreveu. Por que a duvida expressa ante tal decisão já programada, pensada e revista tantas vezes, afinal não era impossível continuar a vida sem ela? Não, sem ela, nada seria possível no mundo dos vivos. Melhor estar morto mesmo.
            Mas, e se? Se ela não souber que eu morri? Ah impossível. Ela vai saber... mas se ela não quer mais saber de mim e se ela não quiser saber? Ah mas ela vai ler meu bilhete e se sentir culpada, vai sim, vai carregar essa culpa por toda a vida. Vai se afogar na culpa, vai  se amargurar por ter me deixado, por ter me traído, por ter sido tão canalha. Ah vai sim... no papel aquele e se começou a martelar como um sino E se ela nem ligar de que valerá o sacrifico de minha vida? A minha oportunidade com este mundo? E se ela não se importar e se ela superar a minha morte? Não, isso não vai acontecer, afinal o arrependimento e a culpa são tão absolutos quanto a mágoa e o ressentimento. Ele estava ressentido e magoado. Aquela seria sua derrocada final.
            Mas, e se? Se não fosse um domingo, se não fosse a bebida, se não fosse aquela dor de abandono no peito, se não fossem os amigos reconhecendo em seu rosto sua incapacidade com ela, senão fossem os planos já feitos para o casamento, se não fosse os sonhos, se não fosse os se, o que ele estaria fazendo naquela tarde de domingo?
            Olhou-se imundo e devastado. Do porta retratos ela sorria inerte e indiferente. Sorria, como quem se despede. Ele olhou a folha de papel dominada por aquela duvida, e se?
            Se ele fizesse a opção de viver, de esquecer, de curar-se e ao seu corpo. Limpasse os rastros deixados por ela, o perfume que andava em seus pulmões. As lembranças que rondavam suas noites. A ultima vez que não queria deixar escapar de si mesmo.
            Jogou todas as tentativas         e opções sobre a mesa bem ao lado daquele pedaço de papel e aquele e se... Imaginou a vida de quem ficava, e se quem ficasse restasse na mesma inercia que o levara até ali? E se nada valesse a pena depois de sua morte e se sua morte não valesse a pena? Valeria a pena a vida pra ele?

            Segurou com força a garrafa onde sobrara um pouco de bebida. Emborcou na boca o gosto amargo... e se eu deixar pra depois?

Eu sou a Rosa

           Rosa é de uma sinceridade atroz. De uma realidade quase maldosa. Seca e econômica no afeto. Não desperdiça tempo com palavras que não precisa. Gildo seu marido há 15 anos que gostava de carnaval, de falar alto e de conchego no final de semana, foi aprendendo a adequar seu espaço, ao mínimo que necessitava para acordar e existir como uma programação de 24 horas. Uma de cada vez. A conversa entre os dois era simples, duas vezes ao dia: pela manhã no café e à noite ao jantar. Na hora do almoço ele estava no trabalho e, portanto, não se encontravam. Ele impreterivelmente naqueles anos todos tentava que a mulher entabulasse com ele um dialogo, tentativas fracassadas, barradas no ceticismo daquela mulher. Ele ia levando, afinal a conhecera assim. Logo no pedido de casamento já havia sido assim:
_ Amor, nós já estamos namorando há dois anos, e eu quero construir com você a minha vida, ter os nossos filhos... envelhecer com você. Quero me casar com você no dia de nossa senhora. Você aceita
            Ela avaliou a proposta por um instante e respondeu
_ Aceito, depois de montar a casa.
_ Já tenho quase tudo e comprei agora de pouco os moveis da sala. Só falta mesmo uma máquina de lavar, mas isso depois que eu pagar os que comprei agora. Fiz de três vezes. Você pode casar de branco como sua mãe quer... nem sei bem porque, já que a gente já está junto... o que você acha?
_ Bom... 27 de novembro.
_ O que é 27 de novembro.
_ dia de nossa senhora das Gracças
_ah entendi e você já pensou no vestido?
_ Não.
            Gildo esperava com que o tempo e a convivência Rosa aprendesse a dividir mais com ele. Às vezes atribuía aquela sua secura à sua vida de filha de pais separados. Sem irmãos, e quase sem amigos. Mas culpar os pais pelas atitudes dos filhos adultos não é justo. Não num mundo que aprende rápido, que cresce rápido, que amadurece rápido. Os traumas sustentados pelos adultos em grande parte são uma grande incapacidade de si mesmo. Uma justificativa ébria para quem quer adiar o momento de viver com gosto. De quem prefere a vida e conta gotas. Vai se esvaindo em conta gotas nas suas próprias amarguras.
            A verdade é que Rosa não conseguia acompanhar os passos de Gildo. Ele queria mais da vida que o dia a dia em frente à TV, que as noticias do jornal da  noite, Que as eventuais noite de amor, mudo e  simples. De vez em quando trazia uma ideia diferente, sorridente, alegre, feliz pela sua contribuição à felicidade dos dois, mas, Rosa olhava pra ele como quem não acredita.
_ É isso sua ideia?
_ Claro o que você Acha? Podemos viajar no fim de semana, passar dois dias na praia, levar as crianças. Vai ser uma lua de mel.
_ Não. Roupa pra passar. Muita.
            Ela se virava para o que quer que estivesse fazendo e esquecia o marido sem fala  e sem argumentos. Com a passagem do tempo Gildo foi mudando, economizando palavras já que elas não adiantavam de nada. Rosa tornou-se mais desconfiada que sempre. O silêncio do marido só podia significar uma coisa: a existência de outra mulher. De quando em vez soltava uma provocação.
_ Você vai ao jogo?
_ Vou.  O meu time vai disputar a final hoje com o Ferroviario da Varzea. Não pode ficar sem seu melhor zagueiro.
_ E depois?
_ Ah... se ganhar, tomo umas duas cervejas e volto pra casa.
_ Sei...
_ Sabe o que Rosa?
_ Essa bola...
_ Não entendi, o que você quer dizer?
_ Você vai e eu fico
_ Se quiser pode ir também
_ Nunca fui.
_ porque não quis, Se quiser ir o convite está de pé.
_ Você se diverte e eu fico
_ Não quer ir?
_ Não.
            Voltava a sua mudice de sempre. Havia outra com certeza. Para Gildo havia somente a economia de palavras. A falta de vontade de se comunicar. Dessa forma foi se voltando para o mundo exterior, para os outros. Ela sempre culpava os outros por tudo. Era a outra que estava tirando seu marido. Era a outra esta imaginaria e completamente capaz que fazia com que o amor de seu marido se diluísse no dia a dia. Ela dedicada. Ela que era mãe. Que fazia tudo por sua família. A ela cabia vigiar em silêncio o que parecia inevitável. Mas era assim mesmo, perdeu todo mundo que amou em sua vida inteira. Porque não perderia Gildo? Não haveria então o que fazer? Não haveria então o que dizer? Só aguardar o que mais cedo ou mais tarde aconteceria. O destino inevitável de estar só.
            Gildo tentou perscrutar o mundo de Rosa. Quais seriam seus anseios, quais seriam seus desejos. Quais seriam seus medos, suas angustias, suas privações. Suas indignidades. Nem suas alegrias Gildo sabia. Perdeu para o silêncio dela. Perdeu ela para suas reminiscências.
            Que fases da vida ele ou ela perderam? Que fase deles dois eles se perderam? Gildo se dedicava ao futebol como objetivo de sua maturidade e ela, ela, viva em seu silêncio, esperava o inexorável, o momento de receber a noticia, o que mais cedo ou mais tarde aconteceria e viver sozinha