Cronicas, contos e outros textos...

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domingo, 13 de setembro de 2020

Somente ela

  Trecho do livro: APARTAMENTO 52

Apartamento 52   -  Disponível na Amazon.com 

        Ele se anunciou mais de uma vez, e parava na porta do corpo como que hesitante, não seria o momento? Era preciso mais? Ou era apenas um jogo de sedução, para que o outro desse mais? O corpo inteiro trabalhava a seu favor. A respiração brusca no fundo do peito, fazendo seu dorso levantar em euforia, a pele arrepiada, à sensibilidade dos dedos, a atenção dos sentidos. Uma conspiração para que ela chegasse a seu gozo pleno, o gozo imediato, louco, deslavado, desavergonhado.

            O cheiro ao seu redor era de amor. E tudo a convencia de que seu prazer teria a eternidade breve de um suspiro. Ela se conduzia enquanto a outra se iludia que era ela. O ato de amar é solidário. O gozo não. O gozo é egoísta, é privado, é particular. Amar se divide,  o gozo não. Desejar se divide, o gozo não. Fazer amor se partilha, o gozo não.
            Quando chegou a hora não ouvia mais nada. Foi à sua essência, sentiu sua existência e se exauriu como se o ultimo pensamento se transformasse em luz. Esgotada, muda, cansada. Ele, seu gozo, a havia deixada inerte e repleta. A outra por um instante sobrava na cama. Por um minuto, era apenas ela, em seus sentidos, em seu estremecimento, na dormência dos músculos, como se sobrevivesse a uma tempestade. Nem percebeu o momento em que se desligou da realidade para se entregar a ele. Quando percebeu-se possuída, ele já havia quase partido.

            A outra embalava seu corpo de carinho e ela restava feliz abandonada.

sábado, 30 de setembro de 2017

O Suicida

A flor estava sobre a mesa, ou melhor, nem mais flor era. Esquecida, embebida numa água velha, foi chegando a morte, tomando-lhe as pétalas amareladas e pendentes do galho curvo e sem espinhos. Ao seu lado restava o homem jogado numa poltrona cinza, num quarto escuro e tomado pelo desespero.
            Rodrigo era seu nome. Ao seu lado, duas ou três garrafas de bebida, em uma restava quase nada, as outras vazias. Sua pele cheirava a álcool. Não é a bebida a maior companheira dos desesperados?
            O homem sentou naquela posição há pelo menos 12 horas. Planejava com esmero e dedicação suas ultimas horas de vida. Sobre a mesa ao seu lado, um revolver e uma dose de veneno. Era o ultimo detalhe ainda não acertado, ah faltava ainda a carta. A Ultima palavra pra ela.
            Pegou a folha de papel, outros perdidos amassados no chão. A caneta mal se equilibrava entre os dedos trêmulos, rabiscando algumas letras. E se... escreveu. Por que a duvida expressa ante tal decisão já programada, pensada e revista tantas vezes, afinal não era impossível continuar a vida sem ela? Não, sem ela, nada seria possível no mundo dos vivos. Melhor estar morto mesmo.
            Mas, e se? Se ela não souber que eu morri? Ah impossível. Ela vai saber... mas se ela não quer mais saber de mim e se ela não quiser saber? Ah mas ela vai ler meu bilhete e se sentir culpada, vai sim, vai carregar essa culpa por toda a vida. Vai se afogar na culpa, vai  se amargurar por ter me deixado, por ter me traído, por ter sido tão canalha. Ah vai sim... no papel aquele e se começou a martelar como um sino E se ela nem ligar de que valerá o sacrifico de minha vida? A minha oportunidade com este mundo? E se ela não se importar e se ela superar a minha morte? Não, isso não vai acontecer, afinal o arrependimento e a culpa são tão absolutos quanto a mágoa e o ressentimento. Ele estava ressentido e magoado. Aquela seria sua derrocada final.
            Mas, e se? Se não fosse um domingo, se não fosse a bebida, se não fosse aquela dor de abandono no peito, se não fossem os amigos reconhecendo em seu rosto sua incapacidade com ela, senão fossem os planos já feitos para o casamento, se não fosse os sonhos, se não fosse os se, o que ele estaria fazendo naquela tarde de domingo?
            Olhou-se imundo e devastado. Do porta retratos ela sorria inerte e indiferente. Sorria, como quem se despede. Ele olhou a folha de papel dominada por aquela duvida, e se?
            Se ele fizesse a opção de viver, de esquecer, de curar-se e ao seu corpo. Limpasse os rastros deixados por ela, o perfume que andava em seus pulmões. As lembranças que rondavam suas noites. A ultima vez que não queria deixar escapar de si mesmo.
            Jogou todas as tentativas         e opções sobre a mesa bem ao lado daquele pedaço de papel e aquele e se... Imaginou a vida de quem ficava, e se quem ficasse restasse na mesma inercia que o levara até ali? E se nada valesse a pena depois de sua morte e se sua morte não valesse a pena? Valeria a pena a vida pra ele?

            Segurou com força a garrafa onde sobrara um pouco de bebida. Emborcou na boca o gosto amargo... e se eu deixar pra depois?

Eu sou a Rosa

           Rosa é de uma sinceridade atroz. De uma realidade quase maldosa. Seca e econômica no afeto. Não desperdiça tempo com palavras que não precisa. Gildo seu marido há 15 anos que gostava de carnaval, de falar alto e de conchego no final de semana, foi aprendendo a adequar seu espaço, ao mínimo que necessitava para acordar e existir como uma programação de 24 horas. Uma de cada vez. A conversa entre os dois era simples, duas vezes ao dia: pela manhã no café e à noite ao jantar. Na hora do almoço ele estava no trabalho e, portanto, não se encontravam. Ele impreterivelmente naqueles anos todos tentava que a mulher entabulasse com ele um dialogo, tentativas fracassadas, barradas no ceticismo daquela mulher. Ele ia levando, afinal a conhecera assim. Logo no pedido de casamento já havia sido assim:
_ Amor, nós já estamos namorando há dois anos, e eu quero construir com você a minha vida, ter os nossos filhos... envelhecer com você. Quero me casar com você no dia de nossa senhora. Você aceita
            Ela avaliou a proposta por um instante e respondeu
_ Aceito, depois de montar a casa.
_ Já tenho quase tudo e comprei agora de pouco os moveis da sala. Só falta mesmo uma máquina de lavar, mas isso depois que eu pagar os que comprei agora. Fiz de três vezes. Você pode casar de branco como sua mãe quer... nem sei bem porque, já que a gente já está junto... o que você acha?
_ Bom... 27 de novembro.
_ O que é 27 de novembro.
_ dia de nossa senhora das Gracças
_ah entendi e você já pensou no vestido?
_ Não.
            Gildo esperava com que o tempo e a convivência Rosa aprendesse a dividir mais com ele. Às vezes atribuía aquela sua secura à sua vida de filha de pais separados. Sem irmãos, e quase sem amigos. Mas culpar os pais pelas atitudes dos filhos adultos não é justo. Não num mundo que aprende rápido, que cresce rápido, que amadurece rápido. Os traumas sustentados pelos adultos em grande parte são uma grande incapacidade de si mesmo. Uma justificativa ébria para quem quer adiar o momento de viver com gosto. De quem prefere a vida e conta gotas. Vai se esvaindo em conta gotas nas suas próprias amarguras.
            A verdade é que Rosa não conseguia acompanhar os passos de Gildo. Ele queria mais da vida que o dia a dia em frente à TV, que as noticias do jornal da  noite, Que as eventuais noite de amor, mudo e  simples. De vez em quando trazia uma ideia diferente, sorridente, alegre, feliz pela sua contribuição à felicidade dos dois, mas, Rosa olhava pra ele como quem não acredita.
_ É isso sua ideia?
_ Claro o que você Acha? Podemos viajar no fim de semana, passar dois dias na praia, levar as crianças. Vai ser uma lua de mel.
_ Não. Roupa pra passar. Muita.
            Ela se virava para o que quer que estivesse fazendo e esquecia o marido sem fala  e sem argumentos. Com a passagem do tempo Gildo foi mudando, economizando palavras já que elas não adiantavam de nada. Rosa tornou-se mais desconfiada que sempre. O silêncio do marido só podia significar uma coisa: a existência de outra mulher. De quando em vez soltava uma provocação.
_ Você vai ao jogo?
_ Vou.  O meu time vai disputar a final hoje com o Ferroviario da Varzea. Não pode ficar sem seu melhor zagueiro.
_ E depois?
_ Ah... se ganhar, tomo umas duas cervejas e volto pra casa.
_ Sei...
_ Sabe o que Rosa?
_ Essa bola...
_ Não entendi, o que você quer dizer?
_ Você vai e eu fico
_ Se quiser pode ir também
_ Nunca fui.
_ porque não quis, Se quiser ir o convite está de pé.
_ Você se diverte e eu fico
_ Não quer ir?
_ Não.
            Voltava a sua mudice de sempre. Havia outra com certeza. Para Gildo havia somente a economia de palavras. A falta de vontade de se comunicar. Dessa forma foi se voltando para o mundo exterior, para os outros. Ela sempre culpava os outros por tudo. Era a outra que estava tirando seu marido. Era a outra esta imaginaria e completamente capaz que fazia com que o amor de seu marido se diluísse no dia a dia. Ela dedicada. Ela que era mãe. Que fazia tudo por sua família. A ela cabia vigiar em silêncio o que parecia inevitável. Mas era assim mesmo, perdeu todo mundo que amou em sua vida inteira. Porque não perderia Gildo? Não haveria então o que fazer? Não haveria então o que dizer? Só aguardar o que mais cedo ou mais tarde aconteceria. O destino inevitável de estar só.
            Gildo tentou perscrutar o mundo de Rosa. Quais seriam seus anseios, quais seriam seus desejos. Quais seriam seus medos, suas angustias, suas privações. Suas indignidades. Nem suas alegrias Gildo sabia. Perdeu para o silêncio dela. Perdeu ela para suas reminiscências.
            Que fases da vida ele ou ela perderam? Que fase deles dois eles se perderam? Gildo se dedicava ao futebol como objetivo de sua maturidade e ela, ela, viva em seu silêncio, esperava o inexorável, o momento de receber a noticia, o que mais cedo ou mais tarde aconteceria e viver sozinha

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O olhar da alma




Quando criança meu pai sempre me dizia: filha olhe as pessoas pelos olhos da alma. Eles enxergam além da realidade. Imaginação de criança é farta e imediatamente associava, os olhos da alma a dois imensos farois que deixassem tudo na mais extrema claridade. Com o tempo, descobri que os olhos da alma na verdade exergam no escuro. Parece não haver diferença entre uma situação e outra, mas as diferenças são extremas. Na claridade tudo está exposto e na escuridão se esconde o feio, aquela sujeirinha que incomoda, a roupa amarrotada e o caráter roto de nossas escolhas.  É na escuridão que se instalam as duvidas e os obstáculos fazem parte da surpresa nos obrigando ao improviso.
O problema é que a alma não nos conta o que vê, aprende e se cala, quando muito nos manda sinais que devemos sabiamente interpretar, mas nem sempre a sabedoria nos é acessível, quando muito nos envelhece, e isso leva tempo mas temos pressa. Pressa de ganhar, pressa de escolher, pressa de viver grandes amores, de armazenas roupas no armário, livros na estante como se fosse sinal de inteligência apenas a posse do conhecimento. Temos pressa de trocar de carro, de casar, ter filhos, somar contas bancarias e cartões de credito, Temos pressa de ter prazer, de satisfazes nossos desejos e vontades, somos quase obrigados a ser feliz como se felicidade viesse de uma vez e uma vez aqui, nunca mais nos deixasse. Tem até receita de felicidade andando por ai, mas felicidade é algo pessoal e instansferivel, no máximo contagiante. Felicidade não é um lugar que se chega e se estabelece, que se firma, onde se cria raizes, é antes uma passagem, um caminhar um seguir em frente sempre. Estamos tão preocupados com o fim, que esquecemos que é com o processo que aprendemos. Só não temos paciencia para envelhecer e, portanto para sermos sabios e, portanto de ver com os olhos da alma.
Aos olhos da alma, não vale impressionar com as roupas da moda, com o carrão importado, nem mesmo com o modo educado e envernizado que algumas pessoas exibem como marca de berço. Os olhos da alma não se impressionam com nada, eles reconhecem e classificam. Interpretam o aparentemente interpretavel. Não rotulam, descobrem e possibilitam. Mudam nossa rota, quando não sabemos qual caminho tomar. Nos aconselham e fazem entender que quase nada é realidade, mas meramente promessa. Enxergam os outros com o que os outros podem ser e são e não como queremos que os outros sejam pra nós, economizando decepção.
Aos olhos da alma não há verdades absolutas, porque a vida é relativa: o que hoje é, amanhã se transforma e o que se transforma possibilita e a vida é cheia de possibilidades, então é relativa.
Meu pai, só não me disse como enxergar com os olhos da alma, isso ele guardou pra si. Hoje passados 37 anos de sua morte, chego a conclusão que enxergar com os olhos da alma é uma decisão de cada um e só vê, quem realmente quer.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Coração de Ogro

Ouvi dizer que sou rude. Insensível. Levei até o apelido de ogra, carinhosamente chamado na intimidade, dito pra não ferir mas sabe, tenho que admitir... é verdade. Sou mesmo das últimas a chorar no cinema quando a mocinha e o mocinho não tem solução de vida. Minha boca demonstra meu pensamento com precisão cirúrgica, a naturalidade faz do eu digo e como eu digo, muitas vezes um tormento para quem ouve, pelo simples fato de achar que é um tormento pra mim. Mas como explicar que as lições da vida, nos deixam mais diretos, mais simples, ou por outra mais descomplicados, mais objetivos. A gente encurta o caminho, porque sabe exatamente onde alguns caminhos vão levar e não quer mais perder tempo, correr riscos desnecessários ou até porque tem preguiça de passar por tudo de novo.
Minha sinceridade talvez disfarce um tremendo medo de acreditar que o que é bom dura pouco, então, nem acredito que dura e que venha o que vier não há preocupação ou sinceridade que impeça o futuro de acontecer, mas eu posso impedir meu coração de entrar em falsas expectativas. Há sapos demais no mundo e a realeza só subsiste na pureza das intenções,  o resto não passa de desejo, de vontade, crença num mundo melhor, pessoas melhores, o ser humano é humano até que se prove o contrario, inclusive você. Mas eu disse talvez e apenas talvez, relaxa que tudo é relativo e agente se preocupa demais com o que todo mundo diz, até eu, com o que digo de mim e pra mim mesma, como você, de você e pra você mesmo.
Não me importo com o que pensam de mim. Há muito tempo que desisti de mostrar aos outros o que sou, cada um que tire suas conclusões. Não espero nem um minuto pra dize o que penso, pra fazer o que quero, afinal vai que o mundo acabe amanha e não vai valer a pena levar uma vontade mal satisfeita ou insatisfeita para o juízo final. Se vou morrer um dia e isso é inevitável que eu tenha a plenitude de pensar em voz alta ainda que seja pra descobrir que não devia ter pensado absolutamente nada. Qualquer descoberta é melhor que uma mente vazia.
A vida está me ensinando que por mais que eu viva, não aprendi a lidar com quase nada. Que alguém em seus 22 anos pode desafiar meus 52 e me fazer tão menina quanto é possível e ainda assim uma mulher na plenitude.
Se eu sou aparentemente insensível, de uma realidade atroz, é porque já vivi demais. Não é qualquer coisa que me ilude, não é qualquer atitude que me convence, não é qualquer palavra que me toca, não é qualquer momento que me faz esquecer. Não é qualquer amor que me desatina. Não é qualquer aparência que me atrai. O tempo nos faz seletivos até para pensar quanto mais para sentir.

Eu vivo com sinceridade, comigo e com os outros. E que pareça atroz, que pareça rude a graça deste golpe que te dou, que é dizer pra você sempre quando acorda ao meu lado, que eu amo você. Amo e é assim, simples assim.

sábado, 14 de abril de 2012

Aprendendo a ser feliz

            Sou o que se poderia chamar de uma pessoa vivida.. e tem algumas coisas na vida que nunca aprendi e acho que não vou aprender nunca. Aprendi matemática, geografia, nem tanto de biologia, de química menos ainda. Aprendi o que gostava e o que não gostava. Mas tem uma coisa que em tantos anos de minha vida, eu nunca aprendi: a ser feliz. Me disseram uma vez que todos os dias a gente aprende. Mas descobri que todos os dias  a gente tenta prender, a felicidade. Não há como domina-la, não há como eterniza-la e uma vez aprendida... se esquece com facilidade..
            Olhei com cuidado para a profissão, escolhi com esmero e a certeza de que era a definitiva. Mudei pelo menos três vezes nos anos seguintes, porque não estava feiiz.  Nos amores, descobri depois de um tempo que não é possível ser feliz por, mas com e mais que depositar no outro todas ou boa parte das expectativas de felicidade é o mesmo que destruir a felicidade . Ela se torna o poder do outro sobre você, e inevitavelmente acaba em frustração.  As vezes é preciso um segundo olhar pra descobrir o que não nos parece. As vezes é preciso nem parar de olhar pra não esquecer o que vemos, e às vezes é preciso parar de olhar pra ver sentidos diferentes, saídas diferentes ou outras maneiras de ser feliz.
            Nessa coisa de aprender a ser feliz, a verdade mesmo, é que a gente é sempre aprendiz. Nunca é o bastante. Nunca se sabe o bastante, nunca se está seguro quanto à infelicidade, nunca se está seguro quanto ao que nos espera. Mas a gente sempre tem que tentar.